Segundo o presidente de direcção da Junta Nacional de Saúde de Angola, Augusto Lourenço, a dívida angolana ao sector de saúde português é a mais preocupante, “porque os valores são considerados muito altos”. Ou seja, são mais de cinco milhões de euros em dívida relativos a despesas com pacientes abrangidos pela Junta Médica. Novidade? Nenhuma. Em Fevereiro já o então embaixador em Lisboa, Marcos Barrica, tinha adiantado esse valor.
Em declarações aos jornalistas no final da vista que os deputados da 6.ª Comissão do Parlamento angolano efectuaram às instalações da Junta, em Luanda, o responsável avançou igualmente que Angola tem uma dívida semelhante acumulada com a África do Sul, orçada em cerca de 22 milhões de rands (1,3 milhões de euros).
“Há dívidas nos dois sectores de Saúde [de Portugal e África do Sul], contudo a mais preocupante é a dívida com Portugal”, disse. É “mais problemática”, sublinhou, “porque os valores são considerados muito altos” e que apesar de existir um esforço “na questão da amortização, não tem sido possível fazer com que essa dívida chegue ao ponto zero”.
O presidente da Junta Nacional de Saúde de Angola sublinhou que as referidas dívidas “resultam da acumulação de vários anos de actividade”, com pacientes enviados para tratamento nos hospitais portugueses, e que apesar da situação de crise económica e financeira que o país enfrenta, o Estado angolano “tem procurado amortizar”. Portanto, observou, “a questão da dívida é um problema que oscila, ou seja, muitas vezes o Estado angolano amortiza, mas passado algum tempo volta a subir a dívida”. Porque, realçou, “não há aquele equilíbrio” entre o gasto e o pagamento.
Questionado sobre o número de pacientes na lista de espera, Augusto Lourenço informou que mais de 900 pacientes estão nesta condição. Números que, admitiu, tendem a subir, defendendo porém mais investimentos nas unidades hospitalares locais para se reduzir a demanda a nível da Junta.
O responsável defendeu que é preciso também aumentar os orçamentos a nível dos hospitais, “para que deixe de haver necessidade de se mandar pacientes para a Junta”, sustentou. Investimentos que, no seu entender, devem reforçar, sobretudo, as áreas de ortopedia, oncologia, cirurgia cardiotorácica e a oftalmologia. “Muito embora temos que considerar que em Saúde tudo é importante e seria óptimo que todas as áreas nos nossos hospitais funcionassem regularmente”, apontou.
O presidente da Junta Nacional de Saúde, órgão afecto ao Ministério da Saúde vocacionado para o envio de pacientes para o exterior do país, deu ainda a conhecer que a instituição deixou de enviar para Portugal pacientes com insuficiência renal, devido aos serviços já existentes no país.
“Essa situação foi ultrapassada com a criação de centros de hemodiálise aqui no país, a referência feita aos doentes renais em Portugal é em relação aos doentes mais antigos que foram evacuados para lá numa altura em que o país não tinha ainda esse procedimento”, justificou.
Na abordagem com os deputados da comissão parlamentar que trata assuntos relacionados com a Saúde, Educação, Ensino Superior, Ciência e Tecnologia, Augusto Lourenço disse ainda que em Portugal estão identificados 51 doentes que podem regressar já ao país. “Mas para isso precisamos desta ajuda financeira para custear essas despesas”, apontou.
No contacto com os deputados, o presidente da Junta angolana de Saúde apresentou ainda “a complicada” situação financeira da instituição pública, sobretudo dos últimos três anos de actividade, lamentando a reduzida verba disponibilizada nesses períodos.
Em 2015, a planificação foi de 3.000 milhões de kwanzas (16 milhões de euros à data), mas a instituição apenas recebeu 746 milhões de kwanzas (quatro milhões de euros). Em 2016, dos 4.000 milhões de kwanzas (21,6 milhões de euros) planificados foram apenas disponibilizados 1.700 milhões de kwanzas (9,1 milhões de euros), e no ano seguinte, de um orçamento inicial de 3.000 milhões de kwanzas a instituição recebeu 971 milhões de kwanzas (5,2 milhões de euros).
Nem sequer é novidade
A dívida de Angola com tratamento médico de cidadãos angolanos em Portugal ronda os cinco milhões de dólares, anunciou no passado dia 6 de Fevereiro o então embaixador angolano em Lisboa. Marcos Barrica disse que, por essa razão, os doentes em tratamento em Portugal passam por dificuldades.
“Há dificuldades reconhecidas, que não são novas, periodicamente temos vindo a reportar e estamos a acompanhar. Há dificuldades, temos que reconhecer isso”, afirmou Marcos Barrica, em declarações à Rádio Nacional de Angola.
Segundo o então embaixador de Angola em Portugal, essa questão “está em vias de resolução”, porquanto “há um esforço muito grande por parte do Estado angolano para resolver a dívida”.
“E tem vindo a ser resolvida, essa divida é repartida em várias áreas, não só na área clínica, mas também em todos os domínios conexos, por exemplo, o alojamento dos doentes e acompanhantes, estão nas pensões e às vezes em casas particulares, o transporte e o subsídio que recebem mensalmente, tudo isto configura-se então na dívida que se tem”, explicou o diplomata angolano.
O embaixador informou ainda que o Ministério da Saúde angolano tinha enviado na altura uma delegação, dirigida pela Junta Nacional de Saúde, para fazer uma radiografia da situação do sector da saúde.
“Estamos crentes que com o trabalho feito e com as conclusões recolhidas poderão sim estar em melhores condições para a solução que se espera seja encontrada”, frisou.
Em 2017 o ex-ministro da Saúde de Angola, Luís Gomes Sambo, afirmou que o Estado angolano estava a resolver o problema da dívida que contraiu com países para onde são transportados doentes, entre os quais Portugal, mas sem avançar o valor da mesma.
“Confirmo que temos evacuado muitos doentes e ultrapassado a capacidade orçamental, estamos neste momento a resolver o problema da dívida, estamos a pagar a dívida, ao mesmo tempo que estamos a diminuir o número de doentes evacuados para esses países”, disse então Luís Gomes Sambo.
Agosto de 2016
A este propósito recorde-se o que o Folha 8 publicou, no dia 2 de Agosto de 2016, sob o título “Doentes angolanos em Lisboa passam fome”:
“Quase duzentos angolanos que estão em Portugal para tratamento médico reclamam da falta de transferência de subsídios do Governo. Por falta de pagamento, as pensões onde estão albergados decidiram cortar nas refeições.
Cerca de duas centenas de doentes angolanos, com junta médica para tratamento em Portugal, enfrentam sérias dificuldades devido aos atrasos nas transferências dos subsídios e ajudas de custo a cargo do Governo de Angola.
Fontes contactadas pela DW África falaram inclusive de pensões, onde estão albergados, que decidiram cortar nas refeições devido ao incumprimento do acordo por parte do Ministério da Saúde angolano. É que a baixa do preço do petróleo no mercado internacional tem obrigado o executivo de Luanda a fortes restrições financeiras.
A Embaixada de Angola em Lisboa, dirigida por Marcos Barrica, tem feito tudo ao seu alcance para minorar as dificuldades. Uma comissão enviada recentemente para Lisboa foi avaliar a situação e levar propostas para a tutela responsável.
João Catembe (nome fictício) está há sensivelmente cinco anos em Lisboa. Veio doente para Portugal em Fevereiro de 2011, por meio de Junta Médica, por causa de um problema renal. Continua por isso a fazer hemodiálise. Com pouco mais de 300 euros de subsídio, confessa que enfrenta muitas dificuldades.
“Continuamos com os valores de 20 anos atrás. De maneira que com 300 euros, hoje em dia, ninguém consegue fazer nada. O Governo diz que não tem dinheiro para [nos] pagar; quer dizer, eles assumiram-nos aqui em Portugal e agora dizem que não têm dinheiro. As pessoas estão à deriva”, desabafa Catembe.
A falta de recursos tem dificultado a vida dos doentes. Muitos deles vivem em péssimas condições – adianta Catembe que há cerca de nove meses não recebe dinheiro da Junta Médica por dificuldades de transferência de divisas em Angola.
Com dívida acumulada de empréstimos que fez para sobreviver, Catembe diz que tem sido ajudado por alguns amigos e familiares. Mas é preciso pagar o quarto onde dorme e ajudar nas despesas com alimentação. “Estou a pagar o quarto a 250 euros, porque é com casa de banho privativa”.
Falta de pagamento afecta a alimentação
Cada dia é uma incógnita, acrescenta ele, reconhecendo que há situações mais críticas entre os cerca de 200 doentes que Angola enviou para Portugal para tratamento. Uma boa parte está alojada em residenciais em Lisboa, no âmbito de um protocolo com o Governo de Luanda. Em algumas pensões, ocorrem situações de carência alimentar grave que afectam inclusive pessoas transplantadas. Os doentes estavam limitados à sopa diária, conta ele.
“Os donos das pensões também estão a querer correr com os doentes porque dizem que há atrasos de milhões [nos pagamentos]. A gente não percebe como que o Governo continua a mandar doentes para cá, se os que estão cá, eles não conseguem aguentar”.
Pensão Luanda está a cortar na alimentação
O Ministério da Saúde de Angola tem dívida elevada para com as referidas pensões, entre as quais a Pensão Luanda e Alvalade, em Lisboa. Face a isso, a administração das pensões cortou na alimentação diária aos doentes – revela a nossa fonte.
No entanto, com o apoio da Embaixada de Angola, tem sido possível melhorar a dieta alimentar nos últimos dias, realidade que os doentes não confirmam.
Contactado o Embaixador de Angola, Marcos Barrica, mandou o seu adido de imprensa pronunciar-se sobre o assunto. Estevão Alberto reconhece que a situação é difícil e diz que a Embaixada está a fazer tudo, por via do seu sector de saúde, para minorar as dificuldades.
“Tentar colher as preocupações destes mesmos doentes e em função desta recolha e da análise, remetê-las aos órgãos centrais para se encontrar mecanismos e caminhos viáveis para a resolução destas mesmas dificuldades, designadamente na área dos seus subsídios que registam algum atraso em razão de todas estas dificuldades que o país está neste momento a viver”, esclarece Estêvão Alberto.
O porta-voz lembra que Angola evacua doentes para várias partes, nomeadamente para Portugal e África do Sul. O motivo é o país não dispor de capacidade técnica para atender todos os casos em função da sua complexidade, explica.
Doentes têm medo de denunciar
Entretanto, os visados consideram que o problema maior está na actuação do chefe do sector da saúde do Consulado de Angola, situado em Alcântara, que não respeita o estatuto dos doentes.
Nuno Marcelo de Oliveira tem sido criticado, por exemplo, por ter decidido suspender o subsídio e dar altas administrativas sem consentimento ou conhecimento do médico que segue alguns dos pacientes. O certo é que os visados não falam à imprensa por recearem intimidação e represálias, confirma Catembe.
“Os doentes sentem-se intimidados porque o próprio director do sector tem mandado indivíduos fazer investigação nas pensões a perguntar “quem é que está de acordo com a Comissão”; “quem reclamar eu mando embora porque ninguém aqui está acima de mim, nem o Embaixador”. Isto são palavras dos próprios funcionários lá dentro do sector”, conta.
Em reacção, Estêvão Alberto responde que não há nenhum doente, ainda em fase de tratamento, que tenha sido enviado para Luanda, de forma compulsiva. “Esta decisão é de inteira responsabilidade do médico que acompanha o doente, “em função do diagnóstico e do seu relatório final, endossado ao sector da saúde da Embaixada”, sublinha.
“Os doentes que voltam para Luanda são aqueles em que os médicos que os acompanham determinam o fim do seu tratamento aqui em Portugal. Só em função disso é que o sector da saúde da Embaixada é chamado a pronunciar-se e criar as condições para que esse doente regresse ao país”, explica.
Abordado pela DW África, o presidente da Junta Nacional de Saúde, Augusto Lourenço, que esteve em Lisboa na semana passada, negou dar mais explicações por não ter mandato para falar à imprensa. Ele sublinhou que sua função é fazer um levantamento dos problemas existentes para que sejam encontradas “boas soluções”.
Há cerca de três semanas, os pacientes, através da Comissão de Apoio aos Doentes Angolanos em Portugal (CADAP), apelaram ao Executivo a criar os mecanismos adequados que assegurem a transferência, em tempo útil, dos recursos financeiros destinados a manter a sua assistência hospitalar, alimentar e em alojamento.”